O passo seguinte à oferta de criptomoedas pelos bancos, um negócio que costuma dar pouco ou nenhum dinheiro – é a oferta de produtos ligados a finanças descentralizadas (DeFi). Essa é a opinião de Paul Brody, Líder Global de Blockchain da EY, que esteve no Brasil na semana passada. Na viagem, se reuniu com o Banco Central (BC), onde a empresa participa do piloto do Drex com sua solução de privacidade Starlight, consórcios do piloto e instituições financeiras.
Em entrevista ao Blocknews, o atual chairman da Ethereum Enterprise Alliance e autor do livro “Ethereum for Business” (Ethereum para Negócios) afirmou que a adoção de blockchain no mundo corporativo está mais lento do que gostaria, mas que a criação da solução de privacidade para rede pública – basicamente para uso da Ethereum, da qual é defensor – vai ajudar a resolver isso. Brody concedeu a entrevista junto com Thamilla Talarico, Líder para Blockchain e Ativos Digitais da EY, que entre suas funções, busca oportunidades para expandir o uso de blockchain corporativa.
Veja a entrevista completa abaixo:
Cenário no Brasil
PB: O que é particular daqui é, por exemplo, o Pix, que faz um ótimo trabalho de dar acesso a pagamentos para os desbancarizados. Então, não há se fala que as criptomoedas são para os e as moedas digitais não são procuradas como alternativa à moedas local. Além disso, os bancos aqui são sofisticados, é um mercado relativamente maduro do ponto de vista regulatório e da estabilidade politica. Lembra mais o americano e o europeu do que a Argentina, por exemplo. Muitas instituições financeiras que oferecem ou planejam oferecer criptomoedas estão pensando estrategicamente sobre o próximo passo. E isso inclui se perguntarem se são finanças descentralizadas (DeFi).
DeFi nos bancos
PB: É um movimento que pode acontecer no Brasil e em outros países. O que todos descobrem depois do primeiro passo, é que vender criptomoedas é ofertar uma comodity. É difícil ganhar dinheiro com isso, mesmo vendendo stablecoins de dólar. Então, começam a estudar o que mais podem oferecer. E aí fica mais complicado, porque não acho que haja qualquer criptomoeda de alta qualidade além do Bitcoin. Uma opção é DeFi. A Ethereum é a melhor plataforma. Há um milhão de coisas super perigosas no ambiente DeFi, mas algumas não são. Acho que se os bancos começarem a avaliar que podem oferecer cinco serviços com rendimentos, como pools de liquidez, veremos isso acontecer.
Nota da Redação: No Brasil, com o Drex, o governo espera uma tokenização da economia, mas ainda não está claro se haverá uma conexão direta com plataformas de DeFi puro. Hoje, há bancos que tokenizam ativos, o que é apenas uma parte de DeFi.
EY, criptos e CBDCs
PB: Estamos conversando e trabalhando com várias instituições internacionais que não posso citar os nomes. Para algumas delas, são só questões simples, como auditoria financeira. De outras, recebemos perguntas sobre stablecoins: o que são, auditoria, estratégias e diferenças e equilíbrio delas com as moedas digitais de bancos centrais (CBDCs). Por fim, somos convidados para falar sobre a tecnologia de privacidade e é aí que entra a nossa solução Starlight (a Starlight é uma das quatro soluções de privacidade em teste na plataforma do Drex).
Privacidade em criptoativos
PB: O protocolo Starlight não é testado em outros países, mas o Nightfall, de onde veio o Starlight, é. O Nightfall é uma aplicação construída desde 2017, que está na quarta versão e serve para operações em redes compatíveis com Ethereum (EVM) e Polygon. Permite transferências e pagamentos padronizados, sem regras complexas, com tokens fungíveis e não fungíveis (NFT), e é muito escalável. Assim, não permite customizar uma transação que precise de programabilidade, como multa por atraso de pagamento. Para isso, criamos a Starlight para isso. É possível decidir o que você realmente gosta dessa funcionalidade e usar. As duas soluções, na verdade, trabalham juntas.
TT: A EY investe muito em privacidade porque, a partir do momento que esse ponto estiver resolvido nas blockchains públicas, que são aquelas que realmente trazem o grande valor para o mercado, conseguiremos trabalhar em todas as aplicações e colocar os clientes para dentro (das blockchains).
Starlight e o Drex
PB: Para um piloto como o do Drex, acho que Starlight é melhor. Quem testou nos deu bons retornos e fizemos ajustes para torná-lo mais amigável no uso. Mas, quando vai para produção, pode incluir a Nightfall, que é mais barato e rápido. Sobre a segunda fase de testes, o Banco Central nos disse que é que cada novo caso de uso deveria ser ajustável para uma das soluções de privacidade já testadas. Uma vez que tivermos todos os casos de uso anunciados da segunda fase, falaremos com cada um dos consórcios para testarem o Starlight. Acreditamos que com alguns dos ajustes que precisamos fazer, a solução poderia ser utilizada em outros casos de uso.
TT: O Banco Central não está colocando muito essa visão de competição entre as soluções de privacidade. É muito mais sobre como a gente pode juntar esforços para chegar no outro lado da linha. Se o sistema todo não avança, ninguém avança. Principalmente nessa questão da privacidade, que não é restrita a blockchains públicas, mas também a privadas, que é o caso do Drex com a Hyperledger Besu. Por isso, não acredito que veremos outras soluções surgindo (no piloto). É mais sobre como conseguimos integrar o que a gente tem de melhor até hoje.
Estratégia de negócio
PB: A EY doou os protocolos Starlight e Nightfall para o domínio público. Ninguém tem que pagar nada para usá-los, o que é uma grande vantagem. Ambos foram construídos para Ethereum e não para CBDCs, o que acho bom, porque estamos falando de Finternet. Ethereum é Finternet (o BIS criou o conceito, que significa a integração de vários ecossistemas financeiros baseados em ledgers e pela internet). Assim, vamos ganhar dinheiro construindo aplicações em cima de Starlight. Muitos consumidores não se importam com privacidade, porque usam blockchain sem ela. Mas, empresas e usuários de negócios nunca vão usar blockchain sem privacidade. Por isso, construímos a solução.
CBDCs pelo mundo
PB: O Brasil está tomando um rumo diferente e interessante. A maioria das CBDCs é um sistema de pagamentos, não são em blockchain e não são ou são pouco programáveis. Para ser honesto, quase todos as CBDCs funcionam bem tecnicamente, escalam bem, só que não oferecem nenhum valor adicional. Muitos países estão descobrindo que sem adicionar valor significativo sobre os sistemas de pagamento existentes, não atrairão as pessoas. As CBDCs surgiram para tirar a luz das stablecoins. Só que as pessoas querem essas criptomoedas para usá-las no ambiente DeFi programável e com transações em mercado aberto. Isso, os bancos centrais não oferecem em lugar nenhum. Por isso, muitos países estão colocando seus programas em espera, desacelerando ou fazendo outras considerações.
Blockchain corporativo
PB: As empresas não estão adotando blockchain rapidamente – fora as do setor financeiro – porque não há privacidade. A Starlight e a Nightfall permitem negócios complexos na rede pública Ethereum. Um exemplo é o uso de OpsChain Contract Manager (solução para gerenciamento de compras usando contratos inteligentes) em aquisição de energia, com privacidade na Ethereum usando Starlight. Esses acordos são muito complicados de se administrar. Temos o nosso primeiro usuário do protótipo na Austrália. A forma mais rápida de ganhar dinheiro é com a criptomoedas, é por isso que toda a atenção está nelas ou nos ativos tokenizados. Está acontecendo, mas é um processo lento. Nossa função é buscar uma indústria por vez, mas que seja um cliente pioneiro disposto a fazer isso mesmo que ninguém em seu setor faça. No Brasil também estamos buscando oportunidades e quem faz isso aqui é a Thamilla. Estamos apenas começando, porque privacidade em blockchain é realmente imatura. Mas, nós vamos conseguir. Sou teimoso e me recuso a desistir.