As soluções de segunda camada do Ethereum estão entre os assuntos mais falados do mercado de criptomoedas atualmente. Outro assunto igualmente importante, porém, também merece atenção, que envolvem a centralização e resistência à censura da rede.
O Cointelegraph Brasil conversou com pesquisadores do ecossistema Ethereum para identificar os perigos reais que o protocolo tem de cair no controle das autoridades. Os entrevistados admitem que há um número considerável de blocos censurando certas transações. Eles salientam, no entanto, que um avanço significativo tem sido feito em pouco mais de quatro meses após o evento “The Merge”.
Nas mãos dos Estados Unidos?
Anthony Sassano, criador da The Daily Gwei e uma das vozes mais ativas do ecossistema Ethereum, expressou preocupação sobre a segurança da rede em 2022. Em uma publicação feita em seu Twitter, Sassano afirmou que a resistência à censura era mais importante do que a escalabilidade.
As preocupações tiveram início após o Departamento do Tesouro dos Estados Unidos banir o mixer de criptomoedas Tornado Cash, e ainda proibir transações a endereços relacionados ao mixer. Desde então, a Agência de Controle de Ativos Estrangeiros dos EUA (OFAC, na sigla em inglês) verifica a eficácia do banimento. Nos últimos sete dias, 67% dos blocos produzidos no Ethereum obedeceram às ordens do OFAC, apontam dados do MEV Watch.
Imagem: número de blocos respeitando diretrizes da OFAC nos últimos sete dias/MEV Watch
A comunidade do Ethereum tem grandes preocupações sobre a rede se tornar facilmente censurável, afirma Rony Szuster, analista de criptoativos do MB Research. Ele destaca, porém, que melhorias frequentes estão sendo feitas para resolver esses problemas. “Esse número [de blocos em conformidade com a OFAC] era muito maior em outubro do ano passado, ultrapassava 80%.”
A queda no número de blocos que seguem regras de autoridades estadunidenses é vista com otimismo por Szuster.
O problema da Flashbots
A culpa pelo alto percentual de blocos atendendo às exigências do OFAC é da solução Flashbots, avalia Guiriba, pesquisador da Paradigma Education e maximalista de DAOs. Soluções que operam nos Estados Unidos passam por um compliance regulatório e, por isso, a Flashbots precisa respeitar as exigências feitas pelas autoridades do país.
Validadores utilizam Flashbots para extrair o máximo de lucratividade de um bloco, através do ordenamento arbitrário de transações. Essa prática de extrair o máximo de valor é definida pela sigla em inglês MEV. Guiriba aponta que essa funcionalidade é largamente utilizada por validadores e, por consequência, os blocos produzidos por eles precisam respeitar as diretrizes da OFAC.
“A pergunta é: a dependência da Flashbots é um risco à neutralidade da rede? De certa forma, sim. Uma blockchain onde mais de 50% dos validadores usam uma única solução para MEV que respeita a OFAC está sob risco de censura de certas transações, botando em xeque sua descentralização”, diz o pesquisador.
Soluções sendo aplicadas
Apesar do cenário preocupante, o pesquisador da Paradigma Education comenta sobre o mecanismo de social slashing do consenso por prova de participação. Esse mecanismo consiste em penalizar, através da queima de parte do valor em Ether alocado, os validadores agindo de má-fé contra a rede.
“Por doer no bolso, isso pode desmotivar os potenciais censuradores a bloquear transações de endereços na lista de bloqueios da OFAC. Apesar de dominar o mercado, a Flashbots também está ciente do risco de neutralidade da Ethereum, e está agindo para diminuir o potencial de censura”, acrescenta Guiriba.
Além do instrumento coercitivo para garantir a integridade da rede, providências já estão sendo tomadas pela comunidade para reduzir o risco de censura. Uma delas vem da própria Flashbots que, em outubro do ano passado, anunciou o SUAVE. Guiriba afirma que o SUAVE é um construtor de blocos descentralizado, que possibilita a exploração de MEV sem a obrigatoriedade de cumprir com as ordens da OFAC.
Rony Szuster, do MB Research, acrescenta que a criação de relayers agnósticos é outra forma de reduzir a probabilidade de censura. Relayers são os responsáveis por incluir os blocos no Ethereum. Um relayer agnóstico, por sua vez, é aquele que não diferencia as transações entre passíveis de censura ou não.
“Desde outubro já temos, pelo menos, três novos relayers agnósticos novos. Por isso, acredito que o percentual de blocos censurando informações diminuirá ainda mais”, diz Szuster.
Risco de centralização
O risco de perda de resistência à censura não é o único problema que sonda o Ethereum. A centralização de validadores também é um ponto de preocupação dos investidores e entusiastas. A Lido Finance detém 29% de todo o montante de ETH em staking atualmente.
Imagem: total de ETH em staking e quantidade por instituição/Nansen
Guiriba e Rony Szuster, no entanto, não enxergam isso como uma ameaça à centralização do protocolo, em um primeiro momento. Ambos destacam que, dentro do ecossistema da Lido, diferentes grupos de validadores estão organizados. Por isso, o total de ETH em staking não está totalmente nas mãos da plataforma.
“Além disso, temos a Rocket Pool crescendo rapidamente, chegando a 500 mil ETH em staking dentro de pouco tempo. Sem dúvida, é muito ruim ter uma pequena quantidade de players com grandes quantias de Ether depositadas. No cenário atual, contudo, já existem cerca de seis principais plataformas que, apesar de não ser o ideal, já evita a centralização em apenas uma entidade. Vale ressaltar também que novos players importantes estão chegando”, avalia Szuster.
Guiriba defende a mesma linha, acrescentando que cenários piores poderiam ter se concretizado. “Por ser uma DAO, a Lido também sai na frente em termos de descentralização. Voltando à censura de transações de endereços como exemplo, quem você acha que tem mais chance de bloquear transações: corretoras/empresas centralizadas ou uma DAO? Tirar o trono da Lido será difícil, mas outros protocolos como a Rocket Pool estão ganhando espaço”, diz o pesquisador da Paradigma.
Sobre a entrada de novos players como validadores, Maurício Magaldi, diretor global de estratégia para cripto na 11:FS, comenta que a estrutura atual do Ethereum facilita esse processo. “Com a prova de participação, gradualmente veremos projetos como dAppNode oferecerem a possibilidade de facilmente ‘plugar’ uma carteira em um computador e operar um validador independente, ou fazer parte de um grupo de validadores.”
Magaldi conclui apontando um movimento em curso na Coreia do Sul, onde grandes instituições financeiras se interessaram em fazer parte do ecossistema Ethereum. A vantagem para essas empresas é que o staking remunera o validador pelo serviço, sem riscos de contraparte, como é o caso do staking dentro do ambiente de finanças descentralizadas.
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