Principais desafios para definição de VASPs na regulação

Principais desafios para definição de VASPs na regulação

No ecossistema Web3, muito se escuta o termo VASP, que tem como origem o termo em língua inglesa “Virtual Asset Service Provider”, e que foi traduzido para o português como prestadora de serviço de ativos virtuais. Porém, ainda que a sigla seja amplamente divulgada no mercado, o encaixe nesse conceito das empresas que atuam neste segmento, como tokenizadoras e exchanges de criptomoedas, ainda não está pacificado dentro do arcabouço regulatório brasileiro.

Dessa forma, é importante elucidar e compreender a definição de VASP concedida pela Lei 14.478/22, que justamente regulamenta a prestação de serviços de ativos virtuais no Brasil, para que se verifiquem também quais são os pontos que já se encontram incontroversos e aqueles que ainda precisam de um melhor posicionamento do regulador.

Antes de partir para o conceito de VASP, mostra-se imprescindível entender o que a Lei define como ativo virtual, visto que os serviços das VASPs ocorrerão em torno dessa modalidade de ativo, e é partir do tipo de ativo que será definido se determinada empresa deverá observar a norma ou estará sujeita à fiscalização e regulamentação de outros órgãos federais.

Empresas de security tokens não devem ser VASPs

Assim, segundo o artigo 3º Lei 14.478/22, tem-se um ativo virtual quando se está diante da “representação digital de valor que pode ser negociada ou transferida por meios eletrônicos e utilizada para realização de pagamentos ou com propósito de investimento”. Ou seja, o ativo deve representar valor, ser passível de negociação e/ou transferência, além de ter que ser utilizado para um ou ambos destes fins: realizar pagamentos ou proporcionar investimento ao seu titular.

Seguindo-se o texto do artigo, este exclui do conceito de ativos virtuais a moeda nacional, moedas estrangeiras, moeda eletrônica, ativos que concedem acesso a produtos ou serviços especificados ou a benefício proveniente desses produtos ou serviços e representação de ativos que tenham sua emissão, escrituração, negociação ou liquidação prevista em lei ou regulamento. Com relação a este último caso, dá-se o exemplo de valores mobiliários e ativos financeiros.

Com base nesse texto emitido pelo legislador, já é possível chegar a alguns entendimentos iniciais. Depreende-se que empresas que estão ligadas a utility tokens, que são aqueles possibilitam o acesso a serviços e produtos específicos ao seu titular, e a security tokens, que representam valores mobiliários, não podem ser caracterizadas como VASPS. Isso porque não são considerados como ativos virtuais para fins legais.

O que torna as empresas VASPS

Após conceituar os ativos virtuais, traz-se, em sequência, as atividades prestadas que tornam as empresas atuantes no ecossistema Web3, VASPs. Desse modo, define-se que uma pessoa jurídica será uma VASP quando executar um ou mais de três serviços em nome de terceiros. Um deles é a troca entre ativos virtuais e moeda nacional ou moeda estrangeira.

Um segundo serviço é o de troca entre um ou mais ativos virtuais. Outros são ainda a transferência de ativos virtuais; a custódia ou administração de ativos virtuais ou de instrumentos que possibilitem controle sobre ativos virtuais; e, por fim a participação em serviços financeiros e prestação de serviços relacionados à oferta por um emissor ou venda de ativos virtuais.

Dessa forma, todas as empresas que se enquadrarem nos casos previstos acima e que estão ligados a ativos que se encaixam no conceito de ativo virtual estarão sujeitos às regras definidas na Lei 14.478/22, bem como serão reguladas e fiscalizadas pelo Banco Central do Brasil (BCB), que foi a entidade da Administração Pública federal escolhida para dispôs sobre o funcionamento e a supervisão das VASPS.

Consulta pública do Banco Central

Quanto ao ponto, cumpre referir que o BCB já realizou uma primeira consulta pública acerca do ato normativo a ser publicado e que trará as regras gerais relacionadas às atividades das VASPs, sendo que a segunda consulta pública sobre o tema deverá ser divulgada no segundo semestre de 2024, enquanto a publicação do ato normativo está prevista para 2025.

Assim, com base tanto na definição de ativos virtuais quanto de prestadores de serviços virtuais, atualmente existem pontos de discussão em aberto, especialmente com relação ao estabelecimento do órgão responsável pela regulação de cada pessoa jurídica e também com relação aos próprios ativos virtuais emitidos.

O primeiro ponto aqui discutido diz respeito à separação de competência entre Banco Central do Brasil e Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Isso porque, no contexto atual, inexiste entendimento pacífico de quando um ativo tokenizado é considerado um valor mobiliário, mesmo após a atuação ativa da CVM através da publicação de documentos como o Parecer de Orientação nº 40 e os Ofícios nº 04 e 06 de 2023, nos quais a autarquia visou trazer alguns esclarecimentos sobre a oferta de tokens considerados valores mobiliários.

Teste de Howey

A discussão decorre principalmente dos requisitos que devem ser preenchidos para que um ativo seja caracterizado como valor mobiliário. Para tanto, utiliza-se o chamado Teste de Howey, que traz 6 pontos que devem estar presentes para que um ativo seja considerado um valor mobiliário. São eles:

  • (i) investimento: aporte em dinheiro ou bem suscetível de avaliação econômica;
  • (ii) formalização: título ou contrato que resulta da relação entre investidor e ofertante;
  • (iii) caráter coletivo do investimento;
  • (iv) expectativa de benefício econômico: direito a alguma forma de participação, parceria ou remuneração, decorrente do sucesso da atividade referida no item (v) a seguir;
  • (v) esforço de empreendedor ou de terceiro: benefício econômico resultante da atuação preponderante de terceiro que não o investidor; e
  • (vi) oferta pública.

O Teste acima possui pontos que estão dotados de subjetividade e que também entram na problemática de uniformização de entendimentos, visto que, especialmente com relação ao item (v), a análise deverá ser casuística, entendendo quais são as atividades desempenhadas pelas empresas com relação ao token com o qual se trabalha para, a partir disso, buscar uma conclusão se há encaixe ou não nos pressupostos do teste.

Incerteza na taxonomia de VASPs

Nessa linha, essa incerteza de taxonomia faz com que não seja tão simples definir se o ativo tokenizado com o qual a empresa está envolvida será considerado um ativo virtual, um valor mobiliário ou se será um ativo que estará à margem da fiscalização do BCB e da CVM.

Isso, por sua vez, é um problema enfrentado pelo mercado, que muitas vezes precisa realizar análises extensas de todas as atividades desempenhadas pela empresa para que se entenda se há envolvimento com um ativo virtual e se suas funções se encaixam naquelas efetuadas por uma VASP. Muitas acabam recorrendo ao auxílio da própria CVM para que entendam a modalidade do ativo relacionado a sua atuação.

Além disso, também deve-se levar em conta que, embora a Lei 14.478/2024 tenha previsto em seu texto que o BCB poderá autorizar a realização de outros serviços que estejam relacionados à atividade da prestadora de serviços de ativos virtuais, tampouco existe clareza sobre quais seriam esses serviços, de forma que empresas que realizam atividades diversas das previstas em lei com ativos virtuais ainda não possuem o conhecimento se serão reguladas ou não pelo BCB.

RWAs se encaixam nos conceitos?

Ademais, cumpre abordar também uma modalidade de tokens que vem ganhando um espaço crescente no mercado: os tokens que representam ativos do mundo real, comumente conhecidos como Real World Assets ou pela sigla RWA.

O entendimento sobre esse tipo de token que vem se formando no mercado é que esse tipo de token, que se referem a ativos tangíveis ou financeiros do mundo real, como imóveis e direitos de propriedade intelectual, é de que não se encaixam no conceito de ativo virtual por se encaixarem na exceção do inciso III do artigo 3º da lei, que possui o seguinte texto: “III – instrumentos que provejam ao seu titular acesso a produtos ou serviços especificados ou a benefício proveniente desses produtos ou serviços, a exemplo de pontos e recompensas de programas de fidelidade”.

Ou seja, justamente por possibilitar o acesso a bens ou benefícios que possuem os referidos bens como origem, os RWA não estariam dentro da competência do BCB. Todavia, há discussões sobre a caracterização de certos RWA como valor mobiliário, sendo necessário, nestas situações, a realização do Teste de Howey anteriormente trazido para compreender a natureza jurídica deste token.

Brasil na vanguarda

Conclui-se, portanto, que embora o Brasil tenha se mostrado na vanguarda com relação à regulação do mercado de tokens e Web3 de uma forma geral, em razão de aspectos específicos dessa tecnologia e também da novidade que ainda representam perante setores tradicionais, ainda há um caminho considerável a ser trilhado para que ocorra uma padronização de conceitos.

Em razão dos pontos trazidos ao longo deste texto, o próprio mercado, além de Associações como a ABToken, preparam-se para responder à Consulta Pública do BCB sobre questões como as das VASPs, que deverá ser publicada este ano, explicitando-se ao órgão as principais dores enfrentadas pelo mercado atualmente e sugestão de pontos de melhoria na legislação para que se tenha um ecossistema que permita a inovação e o desenvolvimento das atividades em Web3 com maior segurança jurídica.

*Advogada. Membro da ABToken. Pós-graduanda em Direito dos Criptoativos e Blockchain.

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